O Monge Honesto Demais: Carta de Admissão.


Porque no fim das contas, no fim do dia, no fim das companhias e de qualquer tipo de distração, eu encolho os joelhos contra o peito e arregalo os olhos no breu da noite. E a noite é fria e me congela os ossos, antes que o dia amanheça e o mundo me pressione a caminhar meio vivo novamente, meio feliz, meio sorrindo.

No fim das contas, essa pressão da luz do dia em contraste com meus temores da noite me mata aos poucos. Morrendo aos poucos… Mas algo em mim realmente precisa morrer. Sinto estar matando as coisas erradas. Matei As flores, plantei ervas daninhas. Causei-me danos desnecessários. Tentei caminhar sozinho. E eu não sei os outros, mas não consigo esconder esse fardo.

Porque o meu fardo é o maior de todos, e fui eu quem o criou: Não faço por onde digo acreditar. E minha fé é fraca. Tão fraca, pequena e frágil que se dependesse dela apenas um terço de minha vida, toda ela já teria subsistido.

Não tenho forças para ser nem sequer um centímetro a mais do que minhas limitações permitem. E acordo todos os dias cheio de indignação no peito, e me mato todos os dias na agonia e no desejo de ser um pouco mais, mas não posso.

É puramente de graça e pela graça que todos os dias acordo. E seja ao meu levantar ou ao meu deitar, faço isso simplesmente porque me é concedido. Não porque mereço. Porque acredito e sinto um Deus a quem não sou digno de me achegar. Porque queimo de remorso e dor por sentir que eu desejaria estar em qualquer lugar, menos em sua presença.

Eu levo as dores do filho pródigo que não quer voltar pra casa. Eu vivo a insônia do meu orgulho exacerbado. Eu vivo a maldição de achar que sou bom o suficiente, mas não o sou. Esse é meu fardo. O único motivo por ainda insistir cegamente, é que sou amado de forma que não mereço. Sou recebido e acolhido por um Deus que não conheço. Por um Deus do qual fujo. Mas que ainda me espera. Algo em mim me faz acreditar que por vezes permiti-lo mudar em mim coisas que nunca conseguiria mudar, não fosse sua imensa misericórdia.

Pelo remorso que me constrange e me definha, cada sutil dádiva divina me lembra, reforça e alivia o fardo:

Você não merece.


Não pode fazer nada para merecê-lo.


Mas Ele o ama.


Isso é fato.

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